Teixeirenses visitam a “Casa da Flor”, maior símbolo da arte espontânea no Brasil

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Os amigos teixeirenses e jornalistas Almir Zarfeg, Antônio Carlos (Carlinhos do Alerta), Athylla Borborema e o advogado Valdey Ferreira promoveram uma visitação cultural dos sonhos aos olhos de quem ama e admira o mundo das artes. Foram conhecer a Casa da Flor, na cidade de São Pedro da Aldeia, na Região dos Lagos, no Estado do Rio de Janeiro.
A Casa da Flor é obra de arquitetura e escultura do artista espontâneo Gabriel Joaquim dos Santos, que construiu a obra de arte e nela habitou entre 1912 e 1985. A casa é toda feita com materiais domésticos reciclados e refugo de construções do bairro.
Gabriel Joaquim dos Santos nasceu em 13 de maio de 1892, exatos quatro anos depois da Abolição da Escravatura e morreu aos 93 anos, em março de 1985. Ele era filho de ex-escravo e trabalhador nas salinas de São Pedro da Aldeia. Gabriel, hoje, é comparado ao famoso arquiteto espanhol Antoni Gaudí, o mais nobre artista de ponta do modernismo catalão.
Os quatro amigos teixeirenses foram recebidos pelo sobrinho-neto do artista espontâneo, Valdevir Soares dos Santos, o “Seu Vivi” que hoje é o tutor da obra e ainda administra o local sob o amparo do Instituto Cultural Casa da Flor e da Secretaria Estadual de Cultura. A casa, iniciada em 1912, a partir de 1923, após um sonho do artista, passou a ser acrescida aos poucos de objetos encontrados no lixo, cacos de cerâmica, de louça, de vidro, de ladrilhos e de outros objetos considerados imprestáveis para o uso: lâmpadas queimadas, conchas, pedrinhas, correntes, tampas de metal, manilhas, faróis de automóvel. Aos poucos foram formadas flores, folhas, mosaicos, cachos de uvas, colunas e esculturas fantásticas, fixados dentro e fora da casa.
Valdevir, o “Seu Vivi”, conta que, na época da construção da Casa da Flor, as pessoas achavam que Gabriel estava perdendo o juízo, porque vivia nos entulhos recolhendo objetos. Assim foi montada durante décadas, pelo acúmulo de restos, no dizer do autor ‘coisinhas de nada’ – búzios, conchas e outros depósitos da lagoa, detritos industriais, pedaços de azulejos e faróis de automóveis – a construção, ainda nas palavras de Gabriel, é uma “casa feita de caco transformado em flor”.
“Aparentemente insólita e bizarra, essa fabricação é um sonho e tem efeitos visuais tão lindos e inesperados quanto os muros do Park Güell, de Antonio Gaudí em Barcelona. Com seu sonho realizado, seu Gabriel viveu ali sob luz de lamparina até 1985, quando faleceu aos 93 anos. Em 2001 a Casa da Flor foi restaurada pelo Governo do Estado. Tudo é belo e sonhador”, destacou o advogado Valdey Ferreira da Silva.
O escritor e jornalista Athylla Borborema, grande entusiasta da educação através da arte, disse que a Casa da Flor é um museuzinho todo feito de caquinhos transformado em beleza na metodologia e nos olhos de quem ama o artifício dos artistas. “É apenas uma pequena casa. Uma joia, uma obra-prima da arquitetura espontânea, construída por inspiração de sonhos e devaneios de um homem pobre, negro e semialfabetizado. A Casa da Flor é obra dum simples trabalhador das salinas, filho de uma índia e dum ex-escravo africano que se notabilizou pela sua sensibilidade e criatividade”, enfatizou Athylla Borborema.
O jornalista Antônio Carlos, diretor-presidente do Jornal Alerta de Teixeira de Freitas, disse que entende que Gabriel, em vez de desistir do sonho, apagar da memória a visão tão bela que o inconsciente lhe trazia por não ter recursos para comprar o material necessário, a fim de concretizar aquela visão, surgiu então em sua mente uma ideia que, de tão bizarra, fez com que muitos parentes e vizinhos passassem a olhar o artista com estranheza no início da tarefa a que se dedicou até morrer, 63 anos depois.
“Ele usou o lixo abandonado nas estradinhas da região, garimpou nesses montes de detritos – de que todos se afastam – cacos de cerâmica, de louça, de vidro, de ladrilhos e de toda uma série de objetos considerados imprestáveis para o uso, tais como velhos bibelôs, lâmpadas queimadas, conchas, pedrinhas, correntes, tampas de metal, manilhas, faróis de automóveis e, sabiamente, ele comentava que fez uma casa ‘do nada’”, documentou Carlinhos do Alerta.
Para o jornalista e poeta Almir Zarfeg, presidente da Academia Teixeirense de Letras (ATL), a Casa da Flor é um bem cultural da maior relevância e é uma composição de riqueza plástica surpreendente, um tesouro intuitivo criado por um artista marginal e solitário. “Ele era um verdadeiro alquimista que, com inspiração e persistência, transformou cacos em obra de arte. Lixo em beleza. E, ao fazê-lo, ganhou a admiração de todos e se imortalizou. Visitei e me emocionei com tanta memória de um Brasil autêntico e, por isso, mais brasileiro”, pontuou Zarfeg.
Gabriel Joaquim dos Santos sentia orgulho de sua inteligência e do produto dela. Seus olhos traíam malícia quando diziam que aquilo não tinha valor, que nada ali custava dinheiro. Ao que ele rebatia: “Eu não aprendi com ninguém. Eu não tive escola. Aprendi no ar, aprendi no vento. Eu fico mais satisfeito trabalhando com os cacos porque as coisas modernas, coisas novas, ninguém vai ver. A gente entra nas cidades grandes, aquilo lá está tudo moderno, tudo bem organizado, tudo custa muito dinheiro. As pessoas veem ali a força da riqueza. Mas, aqui elas gostam de ver porque é a força da pobreza”. (Da redação TN).